Literatura

Redação feita por uma aluna do curso de Letras, da UFPE Universidade Federal de Pernambuco (Recife), que venceu um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática Portuguesa.

Redação:

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no
elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.

Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a  se insinuar, a perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto. 

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar. 

Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.

Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos.
Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva. 



Poema


                                            A Propósito      

                                                                   Sem Silêncio

                                                                                             ñ há
                                                                                                     
                                                                                                       Imagem.
Por: Marcos Albuquerque






Testimony

(for my daughters)

I want to tell you that the world
is still beautiful.
I tell you that despite
children raped on city streets,
shot down in school rooms,
despite the slow poisons seeping
from old and hidden sins
into our air, soil, water,
despite the thinning film
that encloses our aching world.
Despite my own terror and despair.

I want you to know that spring
is no small thing, that
the tender grasses curling
like a baby's fine hairs around
your fingers are a recurring
miracle. I want to tell you
that the river rocks shine
like God, that the crisp
voices of the orange and gold
October leaves are laughing at death,

I want to remind you to look
beneath the grass, to note
the fragile hieroglyphs
of ant, snail, beetle. I want
you to understand that you
are no more and no less necessary
than the brown recluse, the ruby-
throated hummingbird, the humpback
whale, the profligate mimosa.

I want to say, like Neruda,
that I am waiting for
"a great and common tenderness",
that I still believe
we are capable of attention,
that anyone who notices the world
must want to save it.

~ Rebecca Baggett ~

traduzido
Testemunho
(Para as minhas filhas)

Eu quero dizer-lhe que o mundo
ainda é bonito.
Digo-vos que, apesar
de crianças estupradas nas ruas da cidade,
baleadas em salas de aula,
apesar de venenos escoando lentamente
de pecados antigos e ocultos
em nosso ar, solo, água,
Apesar da história
que envolve o nosso mundo de dor.
Apesar do meu próprio terror e desespero.

Eu quero que você saiba que a primavera
não é pouca coisa, que
a ondulação da grama
assim como os cabelos finos em torno de um bebê,
seus dedos, são recorrentes milagre.Eu quero te dizer
que as rochas do rio brilham como Deus, que as vozes crepitantes das alaranjadas
folhas de outubro estão morrendo de rir.
Quero lembrá-lo de olhar
sob a grama, e notar
os frágeis hieróglifos
de formiga, o caracol de besouro. Eu quero
que você entenda que você
não é nem mais nem menos necessário
que o “brown recluse”, o “ruby-
throated Hummingbird”, a baleia  jubarte, a mimosa perdulários.

Eu quero dizer, como Neruda,
que eu estou esperando
"Uma grande e simples Ternura",
e ainda acredito
que somos capazes de entender
que quem percebe o mundo
deve querer salvá-lo.

~ ~ Baggett Rebecca

(Orações da Mulher Incomum)

Publicado originalmente em Panhala