quarta-feira, 27 de julho de 2011

Consumir ou ser consumido: dilema cristão pós-moderno

Maria Clara Lucchetti Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Adital
A diferença entre consumo e consumismo é que no primeiro as pessoas adquirem somente aquilo que lhes é necessário para sobrevivência. Já no consumismo a pessoa gasta tudo aquilo que tem em produtos supérfluos. Podem não ser de boa qualidade nem os mais indicados, porém ela tem curiosidade de experimentar devido à propaganda e ao apelo dos produtos de marca.
No entanto, a definição de necessidade e de supérfluo é algo relativo, já que um produto considerado supérfluo para alguém pode ser essencial para outra pessoa, de acordo com as camadas sociais a que a população pertence. Isso pode gerar violência, pois as pessoas que cometem crimes na maioria das vezes não roubam ou furtam por necessidade, e sim por vontade de ter aquele produto e não possuir condições de adquiri-lo. Nesses casos, a necessidade de consumo se torna uma doença, uma compulsão, que deve ser tratada para evitar maiores danos à pessoa. Muitas vezes, o consumismo chega a ser uma patologia comportamental. Pessoas compram compulsivamente coisas que não irão usar ou que não têm utilidade, apenas para atender à vontade de comprar.
A explicação da compulsão pelo consumo talvez possa se amparar em bases históricas. O mundo nunca mais foi o mesmo após a Revolução Industrial. A industrialização agilizou o processo de fabricação, o que não era possível durante o período artesanal. Trouxe o desenvolvimento num modelo de economia liberal, que hoje leva ao consumismo alienado de produtos industrializados. Trouxe também várias consequências negativas por não se ter preocupado com o meio ambiente.
A Revolução Industrial do século XVIII transformou de forma sistemática a capacidade humana de modificar a natureza, provocou o aumento vertiginoso da produção, resultando no barateamento dos produtos e dos processos de produção. Assim, milhares de pessoas puderam comprar produtos antes restritos às classes mais ricas.
A sociedade capitalista da atualidade é marcada por uma necessidade intensa de consumo, seja por meio dos mercados internos, seja pelos mercados externos. Com o aumento do consumo há maior necessidade de produção e o excesso de demanda leva à geração de mais empregos, o que aumenta a renda disponível na economia e esta acaba sendo revertida para o próprio consumo. Todo este processo leva a uma intensificação da produção e consequente aumento da extração de matérias-primas e do consumo de energia, muitas vezes de fontes não renováveis.
Às vezes, uma pessoa compra por influência de outras que também são influenciadas pelas propagandas, filmes, revistas etc. Ou seja, a sociedade cria um padrão, que tende a ser seguido pelas pessoas. Algumas mulheres, por exemplo, escolhem um corte de cabelo, roupas, sapatos e acessórios da moda porque se inspiram em alguma atriz famosa.
Em nossas sociedades houve uma tentativa trágica de reencantar o mundo pelo consumismo e a diversão. O consumismo promete preencher os desejos, necessidades e carências com diferentes produtos, mas o faz de tal maneira que nunca fiquemos satisfeitos e desperte em nós a necessidade, a compulsão de adquirir novos produtos que o mercado produz sem recesso. O que começa como uma necessidade converte-se em compulsão ou em vício. Qualquer privação inesperada, irrita e frustra.
A fé cristã e a Eucaristia contam outra história sobre a fome e o consumo. E essa não começa com a escassez, mas com um convite à vida, e vida em abundância. O corpo e o sangue de Cristo não são bens escassos, a hóstia e o cálice se multiplicam diariamente em milhares de celebrações eucarísticas em todo o mundo. O consumidor do corpo e sangue de Cristo, no entanto, não permanece alheio ao que consome, mas se torna parte do Corpo. O ato de consumo da Eucaristia não implica a apropriação de bens para uso privado, mas sim ser assimilado a um órgão público, o Corpo de Cristo. Ali se comunicam alegria e dor, abundância e falta, e se destaca a obrigação de os seguidores de Cristo para com os famintos. Na dinâmica eucarística, famintos e bem-aventurados se integram em Cristo e inauguram um novo modo de entender o mundo e viver a realidade.
[Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
Copyright 2011 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].
Fonte: http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=58674

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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Organizações rechaçam regulamento de atividades extrativas em territórios de indígenas isolados

Karol Assunção
Jornalista da Adital
Adital
O "Regulamento de Supervisão de Atividades Exploratórias e Extrativas no Interior das Reservas Territoriais e Indígenas do Estado”, apresentado pelo Instituto Nacional de Povos Andinos, Amazônicos e Afro-Peruanos (Indepa), não foi visto com bons olhos pelas organizações sociais e ambientais do Peru. Ontem (11), o Grupo de Trabalho sobre Povos Indígenas da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos divulgou um comunicado mostrando "preocupação e desconformidade” com a proposta.
De acordo com o Grupo, tal Regulamento "promove a vulneração dos direitos dos povos indígenas no estado de isolamento e contato inicial”. Isso porque a proposta permite a exploração em reservas territoriais indígenas, afetando não só o meio ambiente como também os próprios indígenas que decidiram viver em isolamento ou que estão em contato inicial com o restante da sociedade.
A proposta apresentada por Indepa vai ao encontro da Lei para a Proteção de Povos Indígenas ou Originários em Situação de Isolamento e em Situação de Contato Inicial (Lei 28736). Para as organizações sociais, a Lei representa uma contradição na área ambiental e de proteção aos indígenas: ao mesmo tempo em que estabelece que as reservas territoriais são intocáveis, a norma permite operações extrativistas nas áreas em questão.
"Esta contradição ocorre apesar de que a intangibilidade das Reservas Territoriais e Indígenas responde ao dever do Estado de garantir o direito fundamental da vida dos povos indígenas isolados, razão pela qual nós também consideramos que estas Reservas devem ter o caráter de intangíveis”, destacou o Grupo.
Para a organização defensora dos direitos humanos, tanto a Lei quanto o Regulamento representam uma violação aos direitos dos povos indígenas reconhecidos na Constituição Política e no Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Respeito à vida, à saúde, à identidade cultural, às terras, ao território e à livre determinação são apenas alguns direitos indígenas ameaçados pela Lei e pelo Regulamento.
"Lamentamos que o Indepa, em vez de promover e garantir a proteção irrestrita dos direitos dos povos indígenas isolados, promova a aprovação do Regulamento de Supervisão de Atividades Exploratórias e Extrativas no Interior das Reservas Territoriais e Indígenas do Estado uma vez que os danos à vida e à saúde que se poderão gerar serão irreversíveis e irreparáveis”, apresentaram.
Por conta disso, as organizações pediram às autoridades peruanas que desistam da aprovação do Regulamento e modifique a Lei 28736 para tornar as reservas territoriais indígenas efetivamente intocáveis.
De acordo com o Grupo de Trabalho da Coordenadora Nacional de Direitos Humanos, atualmente Peru possui cinco reservas territoriais para indígenas isolados: Kugapakori-Nahua, Madre de Dios, Mashco Piro, Murunahua e Isconahua. Outras cinco estão sendo pedidas para os povos: Cacataibo (Sul e Norte), Kapanawa, Yavarí-Tapiche, Yavarí-Mirim e Napo Tigre.
O Grupo fez coro ao rechaço e à denúncia realizados por outras organizações sociais peruanas, como a Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep). Segundo as entidades, a proposta do Regulamento é apresentada justamente quando o Consorcio Camisea tenta expandir suas ações extrativistas para a Reserva Nahua Kugapakori e Nanti.
Fonte: http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cat=10&cod=58276