quarta-feira, 9 de maio de 2012

A invenção do tabu: comentários sobre o episódio “Segredos da Ayahuasca” da National Geographic

Escrito por Bia Labate   
14-Abr-2012
Venho por meio desta manifestar meu desagrado com relação ao documentário “Tabu: Segredos da Ayahuasca” produzido pela National Geographic e exibido em 28 de março de 2012.
Na contramão da história, em pleno 2012, após o reconhecimento definitivo do direito ao uso ritual e religioso da ayahuasca no Brasil por meio da Resolução n. 1 do CONAD de 2010 (2), e enquanto no Acre uma equipe pesquisa as raízes culturais da ayahuasca para pensar sua eventual inclusão no rico caldo do patrimônio cultural imaterial brasileiro (3), este documentário tenta reavivar velhos medos e estereótipos, sugerindo que estamos diante de graves riscos e perigos; um suposto “tabu” – palavra que da títuloà série.
Embora aparentemente correto, buscando abordar o fenômeno na sua totalidade – incluindo o uso entre indígenas, e pesquisas científicas a respeito da ayahuasca, como a dos psiquiatras Jaime Hallak e Dartiu Xavier da Silveira - o documentário, com efeito, nasce pré-pautado. Sua agenda é criar polêmica e justificar sua própria existência.
Baseado em uma narrativa confusa, entrecortada, e permeadao tempo todo por uma trilha musical que sugere perigo iminente, violência ou suspense, a reportagem trata de maneira homogênea duas religiões diferentes: o Santo Daime e a União do Vegetal. A última não recebe quase nenhum espaço e aparece completamente descontextualizada.
O aspecto mais evidente que denuncia a agenda implícita da matéria é inclusão do antigo caso de um jovem que se suicidou no Mapiá, na década de 90 – o Jambo. Quem conhece a história deste campo, sabe que este episódio foi amplamente debatido na década de 1990 durante a série de discussões que ocorreram entre representantes do governo, pesquisadores e líderes das religiões ayahuasqueiras, as quais resultaram na regulamentação do uso ritual e religioso da ayahuasca no Brasil. A reportagem ignora este fato; requenta o episódio sem apresentar nenhum dado novo, ou qualquer justificativa – essa parece ser a sua própria estratégia de criar polêmica. Para qualquer pessoa que leu o livro do padrasto de Jambo (4), fica claro seu espírito sensacionalista, permeado por contradições familiares e ressentimentos. A edição da National Geographic opta por incluir um depoimento em que o padrasto de Jambo, para além da triste narrativa dos fatos, evoca o velho argumento de que não é possível haver uma experiência religiosa genuína no Santo Daime, ou mesmo que esta e outras vertentes ayahuasqueiras não são de fato religiões bonafide – argumento certamente há muito superado.
A reportagem também aborda o caso do cartunista Glauco Villas Boas, assassinado por um ex-adepto do Santo Daime (5). Infelizmente, não apresenta nenhuma novidade jornalística em relação ao assunto. Não existe uma reflexão sobre a interação entre determinados medicamentos ou quadros psiquiátricos e consumo de ayahuasca, nem tampouco sobre a relação disto com eventuais crises de violência. Perdeu a oportunidade de contribuir a este importante debate.
O tema do consumo da ayahuasca por crianças é outra estratégia usada pela National Geographic para sustentar o eixo narrativo do suposto tabu. A reportagem, estrategicamente, não informa o telespectador acerca do debate público ocorrido em torno deste assunto, o qual foi amplamente discutido durante as reuniões do Grupo Multidisciplinar Ayahuasca (GMT) em 2006, que resultaram na Resolução de 2010 do CONAD. Esta segue a recomendação do GMT, optando pela permissão da participação de crianças nos rituais a partir do argumento da liberdade de ensino religioso pelos pais, inserindo corretamente a questão no âmbito do “poder familiar”.
Para ilustrar a suposta polêmica, a reportagem faz uso de um depoimento de Hamer Palhares, um psiquiatra sem publicações científicas sobre a ayahuasca (6) – o qual, aliás, recebe o maior tempo de todos os entrevistados no programa. Ele levanta dúvidas quanto a segurança do uso da ayahuasca por crianças do Santo Daime e da UDV a partir de em uma pesquisa inaugural sobre o consumo de ayahuasca por ratas prenhas (7).
Não me cabe aqui entrar no mérito da validade da aplicação direta de achados preliminares de um estudo pré-clínico onde ratas prenhas foram administradas altas doses de ayahuasca durante 14 dias seguidos em um laboratório, para o consumo humano da ayahuasca em rituais de determinadas tradições religiosas. Destaco apenas que, indagado sobre o fato do uso da ayahuasca entre crianças Ashaninka ocorrer normalmente, o psiquiatra rechaça a comparação com as crianças daimistas ou hoasqueiras, pois seriam contextos culturais diferentes. Resta a saber porque esta pesquisa com ratos serve de referência para os comportamentos de crianças não indígenas do Santo Daime e da UDV, mas não para crianças Ashaninka.
A reportagem não dá quase nenhum espaço para antropólogos ou cientistas sociais, em contraposição ao psiquiatra não-especialista (Palhares), e outros psiquiatras. A compreensão do consumo religioso ou não de drogas não deve se dar a partir de uma perspectiva exclusivamente biomédica, mas biopsicosocial. Trata-se também de um debate ético e humano (8). A mídia deve promover o respeito ao direito das minorias religiosas, e evitar fabricar falsas polêmicas com fins de ampliar seu apelo comercial.
(1) Doutora em Antropologia pela Unicampe Pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos - NEIP (www.neip.info). Para mais informações, ver: http://bialabate.net
(2) Resolução n. 01. 25 de Janeiro de 2010. Brasília: Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas.
(3) Lodi, Edson (2012).Inventário cultural da ayahuasca, por Edson Lodi. Disponível em: http://www.bialabate.net/wp-content/uploads/2009/07/Lodi_Inventário_Cultural_Ayahuasca_2012.pdf
(4) Mourão, J. (1995). Tragédia na seita do Daime. Rio de Janeiro: Editora Imago.
(5) Labate, Beatriz C (2010). Cobertura com muitos equívocos. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/cobertura-com-muitos-equivocos
(6) Ver: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4775051U4
(7) Oliveira CDR, Moreira CQ, de Sá LRM, Spinosa HS, Yonamine M. Maternal anddevelopmentaltoxicityof ayahuasca in Wistarrats. (2010). BirthDefects Res B DevReprodToxicol 89:207-212.
(8) Labate, Beatriz C. (2011). Consumptionof Ayahuasca byChildrenandPregnantWomen: Medical ControversiesandReligious Perspectives.  JournalofPsychoactiveDrugs, 43 (1): 27-35.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Câtico às criaturas


“Doce é sentir como em meu coração
Agora Humildemente está nascendo o amor...
Doce é entender que não sou mais só
Mas que sou parte de uma imensa vida
Que generosa resplandece em torno de mim
...Presente Dele, do seu imenso amor!

Deu-nos o céu e as estrelas claras
Irmão sol e irmã lua
A mãe terra com frutos, campos, flores
O fogo e o vento, o ar e água pura
Fonte divina de vida para Suas criaturas
Presente Dele, do Seu imenso amor!
Presente Dele, do Seu imenso amor!”

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Encontro: “Ayahuasca e o tratamento da dependência”



Com organização de Marcelo Simão Mercante e apoio de Bia Labate, entre outros, o Encontro discutirá as diversas nuances do uso ritual da ayahuasca no tratamento da dependência a partir de uma perspectiva multidisciplinar.
 
Reunirá representantes de diversos centros de tratamento espalhados pela América do Sul e pesquisadores acadêmicos das áreas de antropologia, medicina, psicologia e direito. Serão debatidos conceitos como “droga”, “vício”, “saúde” e “dependência”, e os limites entre práticas terapêuticas, religiosas e rituais.
 
Além de contemplar as narrativas sobre as experiências com a ayahuasca, o Encontro procurará também avaliar o êxito destes diferentes programas de tratamento.
 
Por fim, explorará e os limites e possibilidades legais do uso terapêutico da ayahuasca a partir de uma perspectiva comparativa e transnacional focalizando, sobretudo, o contexto do Brasil e do Peru.
 
Local: Anfiteatro da Geografia, na FFLCH, USP, São Paulo, SP
Dias: 12, 13 e 14 de setembro de 2011 - Horário: 08:30h – 18:30h
Contato: Marcelo Mercante marcelo_mercante@yahoo.com
 
Comissão organizadora:
Dr. Marcelo S. Mercante – Universidade de São Paulo Dr. José
Guilherme C. Magnani – Universidade de São Paulo Dr.
Edward MacRae – Universidade Federal da Bahia Dr. Beatriz
Caiuby Labate – Universidade de Heidelberg
 
Promoção:
Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo
Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo–NAU (http://www.n-a-u.org/)
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos – NEIP (http://www.neip.info/)
Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos – ABESUP
 
Programação:
 
1º Dia – 12/09/2011
08:30 – 09:00 - Cerimônia de Abertura
09:00 – 12:00 Mesa de Abertura: A ayahuasca e o tratamento da dependência: limites e possibilidades
Participantes: Edward MacRae, José Guilherme C. Magnani, Marcelo Niel, Rosa Giove.
Coordenação: Marcelo Mercante.
 
12:00 – 13:30: Almoço

13:30 – 17:30 - Sessão I: Dependência: os Centros de Tratamento, sua visão e abordagem do problema
Participantes: André Volpe, Fernando Dini, José Muniz, Jacques Mabit, Wilson Gonzaga, Walter de Lucca.
Coordenação: Walter Moure.
 
2º Dia – 13/09/2011
08:30 – 10:30 Sessão II: Populações em situação de vulnerabilidade: diferentes abordagens
Participantes: Bruno Ramos Gomes, Taniele Rui, Jardel Fischer Loeck, Marcelo Mercante.
Coordenação: Liandro Lindner.
 
10:30-11:00: Coffe-Break

11:00 – 13:00 Sessão III: O papel da experiência e do corpo no tratamento com ayahuasca
Participantes: Jacques Mabit, Anya Loyzada-Velder (a confirmar), Walter Moure, Gabriela Ricciardi.
Coordenação: Bruno Ramos Gomes.
 
13:00 – 14:00: Almoço

14:00 – 16:00 Sessão IV: As (des)fronteiras entre a terapia, ritual e religião
Participantes: José Guilherme Magnani, Paula Montero, Francisco Lotufo Neto.
Coordenação: Marcelo Mercante.
 
16:00-16:30: Coffe-Break
 
16:30 – 18:30 Sessão V: A ayahuasca e o conceito de “droga”
Participantes: Henrique Carneiro, Edward MacRae, Sandra Goulart, Maurício Fiore.
Coordenação: Julio Simões.

3º Dia – 14/09/2011
09:00 – 12:00 Sessão VI: A legalidade do uso da ayahausca no tratamento da dependência
Participantes: Maurides Ribeiro, Roberto Tycanori (a confirmar), Rosa Giove, Marcelo Niel.
Coordenação: Marcelo Mercante.
 
12:00 – 13:00 Cerimônia de Encerramento"
 
Por:
Marcelo Roverso
Rio Branco
Acre